Estou
lendo o livro Decifrando o enigma do eu, de John Powell. No capitulo III, ele
faz referencia aos espelhos do passado. No livro, ele faz uma reflexão sobre as
experiências infantis e o efeito delas na vida adulta. Em suas histórias ele
relata fatos de infância que dominam o agir da vida adulta estabelecendo
relação direta entre a decisão tomada hoje justificada na rede de experiência
do passado.
Porém,
no capitulo seguinte, o ponto relevante é exatamente a solução, isto é a apropriação.
Quando falamos em apropriação, estamos falando em tomar posse de algo. Neste
caso estamos falando em apropriação de sentimentos provocados pelas
experiências vividas. Ao tomar posse de algo, somos nós quem decidimos o que
fazer com o bem apropriado. Isto significa dizer que o que faremos com esse
sentimento é decisão nossa e não de outro. Podemos até, usando nossas máscaras,
dizer que determinadas tomadas de decisão estão relacionadas à ação/provocação
alheia, porém quando nos apropriamos dos sentimentos provocados por fatos
passados podemos escolher a reação que teremos: se com o ressentimento da
criança indefesa do passado ou com o sentimento e razão do adulto que somos
hoje e proprietários dessa história e que quer mudar o percurso de nossa vida.
Segundo
Powell (1999), todas as minhas ações, reações e sentimento provêm de alguma
coisa dentro de mim. Fiz então, uma reflexão sobre a minha história... Percebi
o quanto não apropriei-me ainda dos meus próprios sentimentos.
Um fato recente me veio a memória. Estive em conflito comigo mesma porque minha mãe, aos setenta e oito anos de idade, foi diagnosticada com obstrução das
carótidas e eu entrei em pânico. Projetei nela o meu medo de morrer sem assistência e comecei uma tremenda campanha para que fosse agilizado um meio de mantê-la
acompanhada o tempo todo. Ela fez uma resistência enorme em deixar sua
residência para ser cuidada embora compreenda que não pode mais ficar sozinha. Sofre de uma
depressão que, segundo os médicos, pode ser uma das causas da obstrução da
carótida. Portou-se durante a sua vida inteira como uma criança que precisa de
atenção e cuidados e seu desejo constante é que o mundo gire em torno de suas
necessidades e vontades. Cresceu... Mas continua agindo como a criança que teve
que, contra sua vontade no momento, ir morar com seus avos. Rebela-se contra
qualquer ideia de que alguém tome decisão por ela. A convivência com ela, a
escuta das suas historias, me permite entender a relação da história dela com a
leitura do livro no momento. Sempre que pode ela relembra essa experiência
vivida. Essas lembranças são constantes. Porém ela não se apropriou de fato
destes sentimentos. Age ainda como a criança e não percebe, não avalia que suas
exigências muitas vezes tolhem a possibilidade de escolhas de vida dos outros.
É a “menininha ressentida” exigindo dos outros a atenção e carinho... O que
isso tem a haver com esse texto? Minha mãe foi retirada da casa de seus pais
ainda na infância. Embora tenha sido cuidada com extremo amor pelos avos, foi
arrancada do seio familiar... A “menininha” não quer sair de sua casa. Ela
afirma: “se me tirar de minha casa morro logo”, e na casa dos filhos “não
aguento essa prisão!” Não é a prisão do agora, é o fato de ter sido obrigada a
ficar num lar, que naquele momento, não foi escolha dela viver...
No
entanto, tenho também exemplos de minha experiência pessoal. Esta é apenas uma
das muitas outras experiências familiares com as quais eu poderia relacionar a
leitura atual. Tenho cinquenta e dois anos... Aos dez tive que me adaptar a uma
família diferente, pois queria estudar e a região onde minha família morava não
me possibilitava continuar minha formação escolar. Fui morar em um lar onde o
chefe de família era alcoólatra. Duas lições trouxe para a vida adulta dessa
experiência: a primeira é o medo de que um membro familiar se torne alcoólatra.
A aproximação com pessoas alcoólatras me remete ao fato de assistir essa pessoa
agredir a esposa sem qualquer motivo. Fico sem ação quando tenho que me
aproximar de pessoas alcoolizadas. É “a menininha” assustada em ação... Não me
apropriei desse sentimento!
Por outro lado, a
segunda lição é a facilidade que sempre tive de me adaptar ao novo, quando é
questão de sobrevivência ou aperfeiçoamento. Era uma criança e sobrevivi ao
sentimento de medo e desespero a cada final de dia sem saber como seria o
entardecer, tive que me fortalecer e vencer o conflito... Sempre me lembro de que sou capaz de superar qualquer tempestade
que a vida possa fazer atravessar meu caminho. É o adulto tomando as rédeas da
própria vida!
A
leitura continua... Do livro e de mim mesma...
Referência
Powell, John. Decifrando o enigma do eu. Ed.2, Belo Horizonte: Crescer, 1999.
Powell, John. Decifrando o enigma do eu. Ed.2, Belo Horizonte: Crescer, 1999.
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