29 de abril de 2020

Diario da quarentena - 29/04/2020


Cada dia que passa a história da política no Brasil ganha novos contornos... E, minha existência,  com ela vai se vai se alterando  junto as consequências sociais geradas pelos fatos...
Já vivi mais de meio século (isso me parecia uma façanha há muitos anos atrás)!
Perdi a infância e a adolescência, como muitas outras meninas de minha época. Ainda criança, já era responsável pelos irmãos menores, trabalhava.  Adolescente, ajudava no sustento da família , trabalhava e me tornava mãe  e responsável por uma criança indefesa.
Igual a tantas outras meninas de minha idade, na época, acreditava que a vida adulta me traria paz, segurança e confiança na vida.
Adulta, descobri que nem tudo era o que esperava, e assim, sucessivamente, cada nova etapa trazia um novo desafio.
Profissionalmente realizada, pois acreditava que tinha feito a minha parte, veio a aposentadoria e com ela o sonho de que se desenhavam novas perspectivas de vida: liberdade, projetos de viajar, cuidar melhor de mim e da família.
Os piores momentos, acreditava eu, haviam passado. Agora era só curtir a vida e passar o bastão das responsabilidades a nova geração.
Ledo engano!
Chegou 2017! Vi pessoas cultivarem desavenças familiares por motivos políticos. Vi cristão fazer campanha política com “sinal de arma na mão, como se fosse um tiro” (sempre pensei que um cristão devia defender a vida e não cultuar a morte!).
Mas jamais imaginei, nem nos piores pesadelos, viver o que me esperava em 2020: uma pandemia se anunciava!
Porém, o mundo estava preocupado em salvar a economia.
Não sei se salvou e nem se vai salvar no futuro.
Mas sei que vidas foram e estão sendo ceifadas! As imagens mais estarrecedoras que pude presenciar foram de corpos humanos empilhados, como animais abatidos, em contêiner refrigerado - por falta de espaço em necrotérios; pessoas em portas de hospitais implorando um atendimento que não chegava a tempo. Enquanto alguns lutavam pela vida: pacientes, médicos e enfermeiros; outros faziam carreatas pelo direito de preservar a economia e fazer seus empregados retornarem ao trabalho. 
Políticos alegando que a economia não podia parar porque geraria desemprego e consequentemente a morte pela fome e desemprego (preocupação com que jamais haviam se ocupado antes) e, portanto o país devia continuar ativo, pois se morressem alguns, “faz parte” (fato que não lhes gerava qualquer  sensibilidade)!
Cristãos ricos condenando pessoas a morte (convocando população a retornar ao trabalho)  porque não poderiam ajudar os mais necessitados durante a pandemia. Cristãos pobres preferindo o risco de morrer doentes a ficar desempregado e sem auxílio para sobreviver durante a quarentena.
E, enquanto isso, depois de mais de 5000 mil mortes (número que pode ser até três vezes mais se contar a subnotificação, segundo fonte do próprio governo), os responsáveis federais pela saúde afirmam que precisam aguardar para ver como vai ficar, para pensar em medidas para conter  inúmeras  mortes diárias.
Desconectado do mundo real, o governo cria toda semana um fato novo para gerar desvio de atenção aos fatos reais da pandemia e a população inerte parece normatizar que a vida que se vai é “um mal necessário”.
E eu, aqui, aprendendo, depois de meio século vivido, mais uma grande lição: o capital prevalece sobre a vida, embora o dinheiro não compre passaporte para livrar-se da epidemia.
O vírus segue sua viagem invisível, destruindo famílias, projetos de vida e esperanças, mas assegurando aos que tem mais mais que seus recursos financeiros continuaram inabaláveis.
Isso é a vida?!