29 de agosto de 2012

Concordância do verbo com o sujeito

Sujeito simples
1) Em caso de sujeito simples, o verbo concorda com o núcleo em número e pessoa:

O aluno chegou atrasado.

2) Nos casos referentes a sujeito representado por substantivo coletivo, o verbo permanece na terceira pessoa do singular:

A multidão, apavorada, saiu aos gritos.

Observação:
- No caso de o coletivo aparecer seguido de adjunto adnominal no plural, o verbo permanecerá no singular ou poderá ir para o plural:

Uma multidão de pessoas saiu aos gritos.
Uma multidão de pessoas saíram aos gritos.

3) Quando o sujeito é representado por expressões partitivas, representadas por “a maioria de, a maior parte de, a metade de, uma porção de, entre outras”, o verbo tanto pode concordar com o núcleo dessas expressões quanto com o substantivo que a segue:

A maioria dos alunos resolveu ficar.
A maioria dos alunos  resolveram ficar.

4) No caso de o sujeito ser representado por expressões aproximativas, representadas por “cerca de, perto de”, o verbo concorda com o substantivo determinado por elas:

Cerca de vinte candidatos se inscreveram no concurso de piadas.

5) Em casos em que o sujeito é representado pela expressão “mais de um”, o verbo permanece no singular:

Mais de um candidato se inscreveu no concurso de piadas.

Observação:
* No caso da referida expressão aparecer repetida ou associada a um verbo que exprime reciprocidade, o verbo, necessariamente, deverá permanecer no plural:

Mais de um aluno, mais de um professor contribuíram na campanha de doação de alimentos.    (expressão repetida)
Mais de um formando se abraçaram durante as solenidades de formatura.  (ideia de reciprocidade)

6) Quando o sujeito for composto da expressão “um dos que”, o verbo permanecerá no plural:

Esse jogador foi um dos que atuaram na Copa América.

7) No caso de o sujeito aparecer representado pelo pronome “quem”, o verbo permanecerá na terceira pessoa do singular ou poderá concordar com o antecedente desse pronome:

Fomos nós quem contou toda a verdade para ela. (3ª pessoa do singular)
Fomos nós quem contamos  toda a verdade para ela. (3ª pessoa do plural)

8) Em casos nos quais o sujeito aparece realçado pela palavra “que”, o verbo deverá concordar com o termo que antecede essa palavra:

Nesta empresa somos nós que tomamos as decisões.
Em casa sou eu que decido tudo.

9) No caso de o sujeito aparecer representado por expressões que indicam porcentagens, o verbo concordará com o numeral ou com o substantivo a que se refere essa porcentagem:

50% dos funcionários aprovaram a decisão da diretoria.      ou
50% do eleitorado apoiou a decisão.

Observações:
- Caso o verbo aparecer anteposto à expressão de porcentagem, esse deverá concordar com o numeral:

Aprovaram a decisão da diretoria 50% dos funcionários.
 Em casos relativos a 1%, o verbo permanecerá no singular:

1% dos funcionários não aprovou a decisão da diretoria.

-Em casos em que o numeral estiver acompanhado de determinantes no plural, o verbo permanecerá no plural:

Os 50% dos funcionários apoiaram a decisão da diretoria.

10) Casos relativos a sujeito representado por substantivo próprio no plural se encontram relacionados a alguns aspectos que os determinam:
*  Diante de nomes de obras no plural, seguidos do verbo ser, este permanece no singular, contanto que o predicativo também esteja no singular:

Memórias póstumas de Brás Cubas é uma criação de Machado de Assis.

* Nos casos de artigo expresso no plural, o verbo também permanece no plural:

Os Estados Unidos são uma potência mundial.
* Casos em que o artigo figura no singular ou em que ele nem aparece, o verbo permanece no singular:

Estados Unidos é uma potência mundial.

Sujeito composto

1) Nos casos relativos a sujeito composto de pessoas gramaticais diferentes, o verbo deverá ir para o plural, estando relacionado a dois pressupostos básicos:
- Quando houver a 1ª pessoa, esta prevalecerá sobre as demais:

Eu, tu e ele faremos um lindo passeio.

- Quando houver a 2ª pessoa, o verbo poderá flexionar na 2ª ou na 3ª pessoa:

Tu e ele sois primos.
Tu e ele são primos.

2) Nos casos em que o sujeito composto aparecer anteposto ao verbo, este permanecerá no plural:

O pai e seus dois filhos compareceram ao evento.

3) No caso em que o sujeito aparecer posposto ao verbo, este poderá concordar com o núcleo mais próximo ou permanecer no plural:

Compareceram ao evento o pai e seus dois filhos.
Compareceu ao evento o pai e seus dois filhos.

4) Casos relativos a sujeito composto de palavras sinônimas ou ordenado por elementos em gradação, o verbo poderá permanecer no singular ou ir para o plural:
Ex.
Minha vitória, minha conquista, minha premiação são frutos de meu esforço.
 ou
Minha vitória, minha conquista, minha premiação é fruto de meu esforço.



Fique atento!
Sujeitos ligados por "Com"
 a) Com (= e), atribuindo-se a ação verbal a todos os seus elementos  - verbo plural. Exemplo:
O diretor com os coordenadores do curso elaboraram as ementas.
 b) Com (= em companhia de), realçando-se, mediante o verbo, a ação do antecedente - verbo concorda com o antecedente;
O segmento introduzido por "com" fica, em geral, entre vírgulas.
O diretor, com todos os professores,  resolveu alterar as ementas.

"Um e Outro"  - verbo no singular ou plural;  se houver reciprocidade, o verbo vai no plural.
Exemplos:
Um e outro já veio / vieram.
Um e outro deram-se as mãos. (reciprocidade)

"Um ou outro"   - verbo no singular.  Exemplo:
Um ou outro assumirá o cargo de gerente.

"Nem um, nem outro"  - verbo no singular. Exemplo:
Nem um, nem outro respondeu à questão.

"Alguns", "quantos", "muitos", "quais" + "de nós", "de vós" : verbo concorda com "nós" e "vós" ou vai para a 3ª p. p.   Exemplos:
Alguns de nós  lemos   o livro.
verbo concordando com o pronome "nós"
                       OU
Alguns de nós  leram o livro.
verbo vai para a 3ª pessoa do plural.

Verbo haver (= existir) = verbo no singular. Exemplo:
Havia muitas cadeiras vazias na sala.

 Verbos que fazem referência a tempo (haver, fazer, ir, estar, ser)  -  verbo no singular.
cinco meses que não aparece
Faz cinco meses que não aparece
É tarde.
Faz muito calor.
Fará invernos rigorosos.
Observação:
Nas locuções verbais, os verbos impessoais acima referidos transmitem sua impessoalidade ao verbo anterior, chamado de auxiliar. Exemplos:
Vai fazer cinco anos que...
Pode haver outras alternativas.

Verbos "dar", "soar" e "bater" + horas - verbo concorda com as horas (=sujeito).
Deu     uma hora.
Bateram  duas horas.
Observação:  Numa locução verbal, o verbo auxiliar concorda com as horas. Exemplo:
Iam dar   duas horas.

Verbos "existir", "acontecer", "faltar", "sobrar", etc. (empregados normalmente com sujeito posposto) - verbo concorda com o sujeito posposto.
Exemplo:
            Existem       razões suficientes.
            Faltam           razões .
            Sobram               razões.

Observação: Numa locução verbal, com verbos dessa natureza, o verbo auxiliar concorda com o sujeito posposto. Exemplos:
Devem existir razões.
Podem faltar razões.
Devem sobrar razões.




10 de junho de 2012

Cada um é cada um...

O estilo de linguagem é  resultado da escolha dos recursos expressivos capazes de produzir os efeitos de sentido motivados pela emoção e afetividade do falante/autor.
A Estilística estuda os valores ligados à sonoridade, à significação e formação das palavras, à constituição da frase e do discurso.
A metáfora e metonímia  constituem recursos de estilo cuja finalidade é transmitir a visão de mundo ou as emoções do autor. Estão presentes não só no texto literário, mas nos meios de comunicação de massa e na linguagem coloquial.
A metáfora é a figura que permite, por meio de uma comparação “abreviada”, substituir uma palavra por outra que tem com ela um nível de semelhança. Por exemplo, a frase “Esse apartamento é um ovo!”, significando que o apartamento é muito pequeno, isto é, pequeno como um ovo.
A metonímia consiste na substituição de uma palavra por outra com a qual estabelece uma relação lógica, de proximidade, ou parentesco. Por exemplo, a frase “O Brasil pede desculpas à África”, em que Brasil foi usado no lugar de brasileiros, e África, de africanos.

Cada um é cada um

Cada um é cada um, diz a sabedoria popular. E, ouvindo diferentes pessoas contarem o mesmo gol, chega-se à conclusão de que esta é uma verdade inquestionável, uma lei irrefutável.
Alguns falam rapidamente, outros são lentos, alguns têm um vocabulário rebuscado, outros inventam gírias, uns capricham nos erres, outros deslizam nos esses, uns são fanhos, outros são gagos etc... E cada um conta o gol que viu de um jeito particular, único.
[...]
O narrador objetivo falaria: “Aos 23 min do segundo tempo, Luís Fernando cruzou para Trindade, que cabeceou a bola e fez 2 a 1.”
O econômico diria: “Luís. Cruzamento. Trindade. Cabeça. Bola. Redes. Gol.”
O interrogativo: “E não é que o Paysandu ganhou, mesmo depois de estar perdendo? Quando aconteceu a virada? No meio do segundo tempo, você acredita? Quem fez o cruzamento? O Luís Fernando. Para quem? Para o Trindade, sabe aquele que entrou no fim do primeiro tempo? E o que o Trindade fez? Cabeceou para o gol.
Assim o Paysandu está no final contra o Cruzeiro e a dois jogos de disputar a Libertadores da América, não é demais?”.
[...]
O matemático: “Aos 23 min e 12 s do tempo segundo, o atleta de número 6 fez um cruzamento parabólico a cinco passos da linha lateral, pondo o círculo na cabeça do atleta de camisa 16, sendo que este solucionou o problema desviando a esfera a 45º de sua posição referencial, fazendo-a alojar-se no canto baixo do delta, a 12 centímetros da mão esquerda do palmeirense de camisa número 1.”
O rabugento: “Depois de várias tentativas fracassadas, o Luís Fernando finalmente acertou um cruzamento, fazendo a bola, sabe Deus como, chegar à cabeça do Trindade, que, enfim, estava onde devia estar. Contando com a ajuda dos zagueiros palmeirenses, uns cabeças-de-bagre, ele subiu e desviou a bola sem muita força, mas o goleiro, mal colocado, não conseguiu defender.”
[...]
O caipira: “Uê, gente, ses não viram, não? Foi assim, ó: O Luís Fernando deu uma bicanca, e a bola foi parar no meio do fuzuê, onde tava o Trindade. Aí o danado triscou de cabeça, assim meio de banda, e a bola foi parar lá dentro da rede. Nem que o goleiro fosse passarinho, ele pegava não.”
Ou seja, cada um é cada um, e cada gol é muitos.
Folha de S. Paulo, “Esporte”, 30/07/2002, D3. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/2008/gestar2/lingport/tp5_lingport.pdf Acesso 09 jun 2012.





8 de junho de 2012

O Testamento

Um homem rico estava muito mal, agonizando. Pediu papel e caneta. Escreveu assim:
Deixo meus bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro nada dou aos pobres.
Porém, morreu antes de fazer a pontuação. A quem deixava a fortuna? Eram quatro concorrentes.
Cada um deles, todos muito espertos, resolveram pontuar o tal texto.
A irmã fez a seguinte pontuação:
Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.
O sobrinho chegou em seguida. Pontuou o escrito assim:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.”
O padeiro contestou e  pediu cópia do original. Puxou a brasa pra sardinha dele:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.
Foi quando chegaram os  descamisados da cidade. Um deles, sabido, fez esta interpretação:
Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres.                                
Adaptado de: Amaro Ventura e Roberto Augusto Soares Leite. Comunicacao/Expressao
em lingua nacional. 5a serie. Sao Paulo: Nacional, 1973, p.84

Moral da história:

A vida pode ser interpretada e vivida de diversas maneiras. Somos nós quem fazemos  sua pontuação.



























Saber pontuar textos pode fazer a diferença!
Pense nisso...

13 de maio de 2012

Tipologia textual argumentativa: gênero > artigo de opinião

A apropriação do discurso via escrita de artigo de opinião na escola.
Clarice Fernandes
Professora PDE 2010
Marcia Sipavicius Seide
Orientadora – UNIOESTE
Campus Marechal Rondon

RESUMO: O artigo trata da produção do gênero discursivo artigo de opinião em atividades escolares.  Ele apresenta uma análise do  ponto de vista do gênero discursivo  e textual  de um artigo de opinião vencedor das Olimpíadas de Língua Portuguesa – 2010. Também se busca verificar o contexto de produção, formato do gênero e estilo linguistico; assim como os recursos  argumentativos utilizados  e a estrutura construída para que o texto caracterize-se como artigo de opinião. Faz-se ainda uma tentativa de leitura da intencionalidade da autora ao produzir o artigo.

PALAVRA-CHAVE: Gênero discursivo; coesão textual; argumentatividade.

O ensino de língua  portuguesa renova-se constantemente. Os autores das últimas  décadas  têm influenciado essa nova perspectiva da língua nas práticas escolares, assim como em suas diretrizes. Fala-se muito em apropriação do discurso pelos sujeitos escolares (alunos). Essa apropriação busca fundamentar-se numa perspectiva da língua pensada conforme o conceito sociointeracionista e as orientações das diretrizes da língua portuguesa.

 [...]o ensino de língua materna se justifica prioritariamente pelo objetivo de desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua (falante,escritor/ouvinte,leitor), isto é, a capacidade do usuário de empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação. (TRAVAGLIA, 2009, p.17)

Esse emprego adequado da língua é construído por meio do discurso. O discurso é mediado por enunciados (tudo que ouvimos e reproduzimos para transmitir uma idéia), que promovam a enunciação (maneira como interagimos  com o enunciado).

O emprego de uma língua efetua-se em forma de enunciados*(orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo de atividade humana. Esses enunciados  refletem as condições especificas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo de linguagem, ou seja, pela seleção de recursos lexicais fraseológicos e gramaticais da língua, mas acima de tudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN, 2009, p.261)

Sabe-se que,

Há uma barreira histórico-cultural gigantesca a ser desconstruída, ao mesmo tempo em que se constrói, em seu lugar, uma larga avenida de mão dupla que conduza da escola ao mundo e que traga do mundo para a escola aquilo que de mais significativo haja nos dois mundos, até que eles possam ser apenas um. (FERRAREZI JUNIOR, 2008, p.248)

No entanto, existe um consenso para que essas barreiras sejam ultrapassadas, uma vez que, segundo MARCUSCHI (2008.p.90), “Operar com textos é uma forma de se inserir em uma cultura e dominar uma língua.”
O domínio da língua é efetivo quando seus falantes são capazes de compreender o meio em que vivem,  interagir nele e a medida do possível, reagir nele transformando-o. Essa compreensão se dá quando o processo de aprendizagem é construído considerando tanto os conteúdos básicos da disciplina quanto os que são fruto das relações sociais. E, é por isso que as diretrizes para o ensino da língua asseguram,

[…] as disciplinas da Educação Básica terão, em seus conteúdos estruturantes, os campos de estudo que as identificam como conhecimento histórico. Dos conteúdos estruturantes organizam-se os conteúdos básicos a serem trabalhados por série, compostos tanto pelos assuntos mais estáveis e permanentes da disciplina quanto pelos que se apresentam em função do movimento histórico e das atuais relações sociais. Esses conteúdos, articulados entre si e fundamentados nas respectivas orientações teórico-metodológicas, farão parte da proposta pedagógica curricular das escolas. (PARANÁ, 2008 , p.26)


A escola deve promover a apropriação do discurso enquanto prática social para que o sujeito insira-se na sociedade e exerça sua cidadania. Essa apropriação se efetiva na prática da leitura, oralidade e escrita. No entanto, as atividades de produção de texto esbarram na dificuldade de organização textual e argumentação. Um gênero textual representativo dessa dificuldade, por exemplo, é o artigo de opinião. A argumentação, neste gênero,  base da persuasão, é resultado de um raciocínio lógico. Devido a isso, assumir o papel de autor, frente a uma mensagem a ser construída e transmitida, para alguns alunos, é um verdadeiro dilema. Tais dificuldades podem ser sanadas mais facilmente, quando o trabalho com produção de textos é pautado nas questões de gênero textual (estrutura +enunciado). O texto , materialização do gênero discursivo, apresenta uma estrutura de construção conforme sua intencionalidade. E isso precisa ser compreendido pelo aluno para que ele possa apropriar-se da língua enquanto discurso.
Porém, essa tarefa pode tornar-se uma atividade agradável. Para tanto, o professor deve conduzir o aluno à compreensão da gênero textual, identificação dos elementos do gênero em textos já produzidos, busca de conhecimento sobre o tema para que, somente após trilhar estas estratégias, assumir o papel de autor, ou seja, emissor de uma mensagem codificada verbalmente transparecendo sua opinião.
Os textos vencedores das olimpíadas de Língua Portuguesa são exemplo disso. Os professores que inscrevem seus alunos para participarem dela recebem um material didático para ser utilizado antes da efetiva produção de texto. Este material fornece ao professor as estratégias para o ensino  do gênero textual, assim como exemplos de textos produzidos para que o aluno faça leitura e estudo prévio. Nele são apresentados aos alunos as características e recursos utilizados para tal produção. Somente após a leitura e análise de textos é que os alunos são conduzidos a construir as ideias sobre as quais trabalharão. Para que o aluno construa as ideias, as estratégias de trabalho prevêem: entrevistas, leituras, análises de materiais disponíveis e debates sobre situações locais para que, depois, assumam o papel de autores de textos efetivamente.
Conforme, MARCUSCHI, (2008.p.121), “ a coerência  é, sobretudo, uma relação de sentido que se manifesta entre os enunciados, em geral de maneira global e não localizada. Na verdade, a coerência providencia a continuidade de sentido no texto e a ligação dos próprios tópicos discursivos.”
O texto “A transposição do rio São Francisco: sonho ou pesadelo?” da aluna: Hildegna Moura da Costa (2010) é uma publicação que exemplifica bem o quanto o aluno torna-se capaz de assumir o discurso (transmitindo com coesão e coerência sua opinião sobre um fato) a partir do uso de estratégias adequadas. O texto dela organiza-se em cinco parágrafos, estruturados numa sequência de raciocínio em que ela descreve a problemática sobre a qual vai opinar, emite sua opinião, delineia argumentos coerentes e encerra sugerindo a solução, de seu ponto de vista. É importante ressaltar que, conforme se pode observar, a autora estabelece relação entre os períodos utilizando-se de mecanismos indicadores de causa conseqüência, finalidade, esclarecimento e de conclusão. Outro recurso utilizado é a construção de orações alternativas pelas quais o fato sobre o qual é emitida a opinião é caracterizado discursivamente.
Pois,

Relações de coerência são relações de sentido e se estabelecem de várias maneiras. Por exemplo, na sequência de dois enunciados, sendo que um deles pode ser tomado como causa e outro como conseqüência. Ou então um é interpretado em função do outro. (MARCUSCHI, 2008.p.121)

No primeiro parágrafo, na descrição do tema, ela aponta para uma problemática sobre a qual há uma preocupação da população da região em que vive: “a transposição do Rio São Francisco e suas conseqüências para a população...”. Já no primeiro parágrafo o tema é caracterizado de modo polêmico: “Um fato que nos últimos dias vem dividindo opiniões é o projeto de transposição do rio São Francisco, que ora se mostra como um benefício, ora se apresenta como algo maléfico para a população ribeirinha.” Nota-se que, enquanto a primeira oração alternativa faz uma caracterização positiva da transposição do rio São Francisco, a segunda fornece uma caracterização negativa a qual será retomada e defendida ao longo do texto”. Ambas as caracterizações são retomadas mais adiante, deixando claro o assunto sobre o qual vai falar. Ela apresenta a problemática fazendo a relação de causa do expresso no período anterior da expressão é por meio dessa: “(...). É por meio dessa visão que se pode questionar se estamos diante da realização de um sonho ou no meio de um grande pesadelo."
No parágrafo seguinte, a autora inicia relatando uma opinião coletiva a respeito das conseqüências da mudança de percurso do rio, a visão dos moradores que terão suas casas inundadas e o efeito da transposição ao ecossistema. A aluna não se limita a informar uma opinião, ela a  justifica mediante a expressão uma vez que, apontado a conseqüência da transposição para os moradores: “(...), uma visão de inúmeros moradores dessa localidade o projeto em foco modificará a vida de diversos agricultores, uma vez que estes terão suas terras e casas inundadas e o ecossistema à margem do rio será afetado.”. Neste enunciado ela faz uma construção semântica de significados estratégicos para que continue sua exposição das conseqüências da ação do homem sobre o meio ambiente em que ela está inserida sem perder de vista a linha de raciocínio a que se propõe: defender a  idéia de que há necessidade de criar outros meios de resolver a problemática citada por ela.
Essas conseqüências transformam-se, na oração, em causas  para outras conseqüências, também negativas: É por essa perspectiva que o São Francisco em transposição irá transpor também a vida de muitos habitantes desse local.” O pronome “essa” remete o leitor ao período composto anterior e evita a repetição dos argumentos  já citados. Mais uma vez, as afirmações feitas são justificadas, neste caso introduz a justificativa a conjunção conclusiva pois: “... pois terá que mudar os costumes, a organização comunitária e, principalmente, as práticas da agricultura.”. Outra conseqüência negativa é então acrescentada numa oração coordenada aditiva: “Além do mais, os lucros e vantagens só surtirão efeito para os latifundiários que possuem condições para investimentos, o que possibilitará usufruir das águas de maneira eficaz e lucrativa.” No parágrafo, a autora revela suas intenções argumentativas e sua intencionalidade: convencer o seu interlocutor de que não há reais benefícios para aqueles que vivem na miséria com a transposição do rio.
Os argumentos da autora fundamentam-se numa visão negativa que ela tem da política (considera uma estratégia política que não tem como fim o bem estar social): “Não adianta haver tanta água sem poder desfrutá-la”. Ela reforça, em seus argumentos, a necessidade de projetos que amenizem a miséria do povo. A expressão por isso que inicia o período composto seguinte que reforça seu argumento do efeito negativo interpelado por uma oração adjetiva “enquanto moradora da comunidade de Angicos”. Esta caracterização que a autora faz de si mesma é por si argumentativa, pois ela se coloca como parte interessada, haja vista fazer parte da comunidade que será atingida e que tem conhecimento do assunto, são informações que dão credibilidade a suas palavras e que predispõem o leitor a crer em tudo que ela dirá na sequência.
Por isso mesmo, nesta parte do texto, a autora emite sua opinião de forma direta utilizando-se de verbos em 1ª pessoa do singular, no tempo presente, a fim de dar maior força ao enunciado contemporizando-o: “considero desnecessária a transposição do rio São Francisco para o lugar onde eu vivo, por parecer  mais uma estratégia política do que uma forma de garantir a vida daqueles que se encontram em circunstâncias precárias”. Ao redigir em 1ª pessoa ela se coloca como sujeito que interage em seu discurso e se  compromete com o que expressa via alocução. O período seguinte é composto por subordinação, iniciado pela conjunção por isso (conjunção causal mais - pronome demonstrativo isso): Por isso que, Não adianta ver tanta água sem poder desfrutá-la”. O pronome demonstrativo retoma a idéia inicial de que a causa da transposição não É favorável para os moradores, posicionamento justificado pelo não aproveitamento da água após da transposição e os transtornos gerados aos moradores da região sem retornos imediatos. Porém, ainda no mesmo parágrafo, ela já inicia a ideia de apontar alternativas para solucionar a falta de perspectiva de vida digna do nordestino: O que importa são projetos que procurem amenizar a miséria do povo de Angicos, de José da Penha, do Nordeste...”. E mais ainda no final do parágrafo ela inclui todo o país na problemática da miséria que assola sua região ao inserir a frase nominal através do “enfim , de todo o Brasil.”. É evidente que ao aproximar o leitor da problemática ao usar a expressão todo Brasil ela atribui relevância do tema a ele (leitor) para que ele sinta que vale a pena dispensar sua atenção para ler o texto.
Para retomar o tema e garantir a coesão seqüencial, a autora recorre ao uso do “assim”que introduz uma conclusão ao seu raciocínio: “Assim,  o projeto de integração do São Francisco em pouco beneficiará a população angiquense; pelo contrário, afetará em muito a vida daqueles. que tanto trabalharam para se estabelecer em seu hábitat” O recurso utilizado retoma seus argumentos anteriores e as características negativas da transposição do rio, inclusive, são enfatizadas pela expressão “ao contrário” o que dá mais força a seus argumentos. Com o mesmo propósito, ela tenta sensibilizar o leitor ao enfatizar “que tanto trabalharam para se estabelecer em seu hábitat”. A palavra tanto enfatiza o empenho daqueles que vivem na região para manterem-se no local. No período composto seguinte, ela retoma o uso da expressão tanto (no feminino) para dar ideia da intensidade da água que será disponibilizada sem ser útil a população. A sequência textual induz o leitor a compreender a necessidade de mudanças na vida do homem urbano e da região ribeirinha com a oração coordenada substantiva: “Não importa cobrir o semiárido com tanta água, o que interessa é o progresso e a garantia de vida em abundância para todos os habitantes, sejam do campo ou da cidade.”. Nota-se também outro recurso argumentativo na oração subordinada apositiva: “[...]sejam do campo ou da cidade.” Por meio dela a autora não só esclarece a quais habitantes ela se refere, mas coloca a questão de modo abrangente incluindo a todos os habitantes da região, tornando a causa universal e de interesse de todos.
Em sua conclusão, a autora reforça a opinião de que não basta transpor o rio para solucionar o problema da miséria e sugere o resgate da cidadania participativa para reduzir as disparidades advindas do setor econômico: É necessário, portanto, acordar e fazer valer os direitos, os deveres e os valores de cada um de nós, procurando reduzir as disparidades advindas do campo econômico, político e social.” Nele observa-se que ela utiliza das conjunções conclusivas assim e  portanto para encerrar as idéias construídas através da suposição feita no titulo: “sonho ou pesadelo?”.  A conjunção portanto encerra um sentido de conclusão lógica diante dos argumentos relatados em referência ao fato: “ Não estamos sonhando, estamos diante de um pesadelo.”.
A autora faz a construção de seu texto fornecendo inferências ao leitor para  que conheça a realidade em que ela está inserida (1º e 2º parágrafos). Ela aproveita todos os recursos que o gênero  discursivo permite para assegurar que o interlocutor compreenda a situação e como estão sendo construídos os discursos sociais sobre o tema do qual está falando. Já no segundo parágrafo, em relação aos aspectos positivos, para dar credibilidade ao seu discurso, ela cita a Fundação Joaquim Nabuco (estudo que a fundação fez) e o que pensam alguns agricultores sobre as consequências da transposição enquanto ainda descreve a problemática. No terceiro parágrafo ela continua retratando a opinião daqueles que vêem os aspectos negativos da transposição do rio. Portanto, a autora amarra seus argumentos aos outros discursos já construídos oralmente ou por escritos pelos envolvidos.
Nesses parágrafos é possível perceber que a autora ancora seu texto no contexto situacional:

Quando se fala em contexto situacional, não se deve com isso entender a situação física ou entorno físico, empírico e imediato, mas a contextualização em sentido amplo, envolvendo desde as condições imediatas até a contextualização cognitiva, os enquadres sociais, culturais, históricos e todos os demais que porventura possam entar em questão num dado momento discursivo. (MARCUSCHI,2008,p.87)

No quarto parágrafo a voz do autor impera em “...considero desnecessária..”. Ela assume sua opinião e expressa colocando-se explicitamente no texto através dos verbos em 1ª pessoa do singular: “considero”, “vivo”. Embora ela inicie de forma impessoal (3ª pessoa do singular), porém inclui-se como parte integrante na busca da solução sugerida ao usar a expressão “cada um de nós”. Ao que parece ela tenta deixar transparecer uma intencionalidade de convencimento do leitor para a causa que defende, quando além de usar  verbos em 1ª pessoa, usa a referência “cada um de nós”.
Porém, lembrando que,

A intencionalidade diz respeito ao que os produtores do texto pretendiam, tinham em mente ou queriam que eu fizesse com aquilo. Já a aceitabilidade diz respeito a como eu reajo e como eu aceito, considero ou me engajo nas intenções pretendidas.
Com base na intencionalidade, costuma-se dizer que um ato de fala, um enunciado, um texto são produzidos com um objetivo, uma finalidade que deve  ser captada pelo leitor. (MARCUSCHI,2008.p.126)

Diante da estrutura deste texto, produzida por aluno de ensino médio, constata-se que o ensino da Língua Portuguesa, nas escolas públicas, está se constituindo numa prática capaz de formar homens com habilidade de ler e interpretar discursos socialmente produzidos. E não só isso, mas também, compreender e interagir na realidade em que vive produzindo discurso que represente seu pensamento interpelando o interlocutor com clareza e construindo novos sentidos. Pois, de acordo com FERRAREZI JUNIOR (2008, p.22), “(...) os sentidos são sempre construídos em função do conjunto de informações culturais do falante e de sua comunidade...”
Um aluno que tem uma capacidade discursiva desta, cursando apenas o ensino médio, permite uma avaliação que credencia a escola como formadora de homens que estão se apropriando do discurso como pratica social. Isto por que, um indivíduo com tais habilidades, é capaz de ler não só as palavras no discurso verbal, mas também a realidade geográfica e humana do espaço em que vive, assim como o conteúdo implícito nas ações políticas atuais. Por conseqüência terá maior capacidade de interagir e transformar o meio em que vive.
Portanto, é de fundamental importância que a escola possa nortear suas práticas pedagógicas em teorias que busquem compreender os conceitos de linguagem afim de seus sujeitos (alunos) possam vencer as barreiras criadas pela língua para exercer sua cidadania apropriando do discurso, tanto oral quanto escrito.


Referências:

MEC/CNPEC. Pontos de vista – Caderno do professor. São Paulo:Cenpec, 2010.Coleção da Olimpíada.Artigo de Opinião. Disponível em
MARCUSCHI, Luiz Antonio. Produção Textual, análise de gêneros e Compreensão. São Paulo:Parábola Editorial,2008.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos, Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática.São Paulo, Cortez, 2009.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal,(tradução Paulo Bezerra).São Paulo: Martins Fontes, 2003.
FERRAREZI JUNIOR, Celso. Semântica para a educação básica. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.