Clarice Fernandes 20/02/2021
A menina simples e inocente do interior, que vivia em sua alma, sonhava com uma velhice tranquila.
Esperava chegar à terceira idade com uma estabilidade financeira que lhe permitisse viver o que não pudera na juventude: viajar, conhecer novas culturas e pessoas.
Tudo estava no projeto. Seria executado assim que os netos crescessem o suficiente para se tornarem mais independentes. Tudo parecia encaminhar-se para que seus sonhos começassem a se concretizar.
Vivera a infância e juventude lutando para obter o necessário para viver e educar sua filha.
Mulher independente, nunca se sujeitou a esperar de um homem aquilo que pudesse conquistar com seu próprio esforço.
Educada numa família simples, com valores éticos e morais fundamentados na fé cristã, vivia os princípios apreendido com seus pais, pequenos agricultores, a quem procurava honrar.
Mas chegara 2020, com ele a pandemia. Um vírus incontrolável esparramara o medo e a morte pelo mundo. Muitos governantes, a princípio, priorizavam a vida. A pandemia exigira recolhimento da população para evitar contágio e exterminar o vírus.
No entanto, o isolamento da população mexera com a economia, e o capitalismo falara mais alto. E muitos líderes governamentais saíram em defesa da economia. Muitos deles vociferavam: “é só uma gripezinha”; “morra quem tem que morrer”, pois a vida deveria seguir avante.
Alguns países preocuparam se com seu povo. Investiram em vacinas produzindo as ou preparando se para comprá-las.
Porém, no Brasil, a população naturalizara as mortes e os enterros dos corpos nus ensacados em plástico, sem as despedidas habituais...
Um mito havia nascido. Seu discurso convencera grande parte da população de que medidas preventivas seriam desnecessárias, entre elas o uso de máscara para proteção. Convencera a, também, que tratamento precoce, evitaria a evolução da doença. As pessoas perdiam o medo! Passaram a viver a vida como se na estivessem acontecendo. E os corpos foram se amontoando nos necrotérios. Um ano depois (fevereiro 2021) já somariam se mais de 240 mil mortos.
E a menina, que passou a vida lutando para viver com mais intensidade quando encerrasse sua carreira profissional, percebera que diante da realidade teria que postergar seus projetos, isso se sobrevivesse à doença, caso viesse a contaminar-se. Perdera pessoas que amava, viu as estatísticas, a cada dia, somarem mais vidas sendo perdidas.
Chorara
pelos seus entes queridos assim como pelos milhares de pais que perderam filhos e filhos
que perderam pais durante a pandemia. Agarrou-se, todos os dias, a esperança que
sobreviveria pra contar o que presenciara, pois aprendera que a linha entre a
fé e o paganismo é muito tênue. A pandemia ensinara-lhe que muitas pessoas
professavam a doutrina cristã, mas possuíam um Deus moldado a sua vida e seus
valores próprios, onde cada um vive por si sem pensar nas consequências de seus atos para a coletividade.
A cada dia uma lição nova da pandemia.