Lição
da vida na escola
Clarice Fernandes (01/03/2015)
O que realmente
importa na vida é a nossa capacidade de aprender com as lições que ela nos
proporciona. Sempre fui uma boa aluna na escola da vida. Sempre tente ser uma
boa professora na vida da escola. Busquei aprender com meus alunos. Com o
tempo, aprendi a ouvi-los. Ao ouvi-los descobria sempre que são muito melhores
do que aparentar ser. A alegria, quase sempre, transbordava em alguns olhos,
mas muitas vezes, quanta tristeza havia noutros
olhares. Quantas histórias escondiam-se dentro daquelas janelas da alma. Durante o exercício
do magistério, com frequência, conheci alunos cujas histórias de vida traziam
marcas que a vida jamais os fariam esquecer.
Recordo-me de quando recebi uma nova aluna numa turma de
5ª série. Era uma menina extremante atenciosa e educada. Fazia suas atividades
sem grandes dificuldades. Porém, seu
olhar estava sempre triste e distante. Durante a semana, sempre faltava à
escola um ou dois dias, embora isso não comprometesse seu rendimento escolar.
Ficava intrigada e não entendia o porquê uma aluna tão esforçada e interessada
em sala ausentar-se com tanta frequência à aula!
Após algumas faltas
seguidas dela eu resolvera, investigar o
que acontecia que a afastava da escola. A disciplina com a qual que trabalhava era facilitava
muito para que eu pudesse desenvolver um trabalho em sala a fim de que as
crianças se permitissem retratar as causas de suas alegrias e tristezas. Sabia, com a experiência
profissional que tinha, que descobriria as causas das faltas e o motivo da angústia que ela aparentava
sentir ao proporcionar-lhe a tal produção textual. Na verdade, desejava mesmo
era fazê-la falar sem que parecesse que era ela o foco. Antecipadamente, avisei
a todos e todas que escreveríamos e
depois eles iriam ler os textos em sala. Por
isso, caso algum aluno escrevesse sobre algo que não gostaria de
partilhar com a sala, me avisasse, que apenas eu iria ler o seu texto para
conhecê-lo melhor. O intuito era tentar descobrir o que havia por trás daquele
olhar abatido da pequena aluna. Imaginara que ela, por ser, aparentemente, uma
criança muito tímida, provavelmente não
gostaria de ler seu texto para a sala. Surpreendi-me naquele dia. Após alguns alunos
efetuarem sua leitura da proposta de escrita, ela pediu-me para ler seu relato
de vida.
Contou à sala que uma
das suas tristezas se devia ao fato de não conviver com os pais, embora eles
fossem casados e morassem na mesma cidade que ela. Relatou que era filha de um homem branco e de uma mulher negra.
Quando nascera, morena, seu pai, queria matá-la porque não era de sua cor. Ele
impôs a esposa que não ficaria com a filha, não queria uma filha negra! Para evitar o pior, a avó pedira aos
seus pais que não fizessem nenhuma maldade que eles cuidariam da menina. Assim,
mesmo vivendo em extrema pobreza, levaram-na para morar com eles e deram-lhe
amor, carinho e os cuidados necessários para que crescesse saudável. Anos depois, nascera seu irmão. Porém este,
por uma brincadeira do destino, nascera loirinho tal qual o pai. O rebento como
era de se esperar seria o filho desejado do progenitor. Entretanto, a progenitora
resolvera vingar-se do pai e rejeitou o filho devido à criança não ter suas características.
Desta forma sobrou novamente aos avós a responsabilidade de criar, apesar das
condições financeiras, os dois netos. Ela retratava toda a sua mágoa por terem
sidos rejeitados pelos pais. Afirmava
que faria qualquer coisa para ajudar os avós, até mesmo faltar às aulas, mesmo
adorando ir à escola, pois a avó, às vezes, precisava de sua ajuda em casa.
Sentia grande gratidão e precisa retribuir os cuidados recebidos deles.
Rejeitava veementemente os pais pelo
abandono.
Não consegui conter
uma lágrima. Os alunos silenciaram-se. A dor daquela criança parecia
estraçalhar-lhe o coração e alma. As outras crianças ficaram consternadas.
Não precisei interferir. A partir daquele dia, a turma a acolheu amorosamente e
pareciam querer protegê-la sempre.
Compreendi, naquele
momento, que o amor que recebemos ou não
pode fazer a diferença para fazermos a opção certa a respeito de que tipo de ser
humano seremos. No entanto, a direção que damos as nossas vidas depende
exclusivamente da escolha do valor humano ao qual daremos importância!
A pequena menina, neste
caso, direcionou seus olhos apenas a
gratidão aos avós. Desejava ser uma pessoa melhor porque eles lhe ensinaram
assim. Aprendera, com eles, que devemos cuidar uns dos outros. E, assim como
ela precisou deles, um dia, precisariam
dela na velhice. E como dizia, por nada nesse mundo viria a decepcioná-los.
Gritos do silêncio
Clarice Fernandes (02/06/2014)
Enquanto
a vida passa diante de nossos olhos, as pessoas nos odeiam, nos amam, se transformam, nos informam, denunciam, reclamam e aclamam, no silêncio do espaço nem sempre por nós
visualizado.
Muitas
vezes , quando perdemos alguém que amamos, nos perguntamos por que não lhe falamos o quanto o amava, por que não
fizemos isso ou aquilo que nos pediram, por que não o ouvimos, por que não ficamos
mais tempo junto...
No entanto, fechamos nossos olhos e tapamos nossos ouvidos para os gritos silenciosos deles quando ainda estão ao nosso lado!
No entanto, fechamos nossos olhos e tapamos nossos ouvidos para os gritos silenciosos deles quando ainda estão ao nosso lado!
Esses gritos não são só são daqueles que nos rodeiam porque os amamos. Muitas
vezes são daqueles que estão todos os dias a nossa volta e nem percebemos sua
existência. Fugimos dessa percepção! Se não notamos suas existências, jamais ouviremos seus gritos de
socorro e assim também não nos sentiremos desconfortáveis com a nossa omissão!
Muitas
deles pedem socorro com gestos, outros com atitudes inesperadas. Há ainda
aqueles que, com um olhar desolador, parecem nos dizer “Escutem-me! Ajudem-me!”.
Porém, nosso egoísmo é muito maior que nossa capacidade de amar ao próximo como
a nós mesmos. Aumentamos o espaço com o silêncio absoluto de nossa alma e os
deixamos sozinhos.
Compreender
o outro exige de nós um tempo que não queremos desperdiçar... Damos importância ao trabalho, à produtividade, ao
estar em evidência, ser melhor que o
outro. E, nessa trajetória, nos esquecemos de que só somos melhores quando tudo
que está em nossa volta está bem! E, essencialmente, quando o nosso próximo
está bem!
O
mundo só se torna melhor a partir do momento em que atrelarmos o nosso bem estar ao estar bem com
o próximo. Para isto é indispensável ouvirmos os gritos silenciosos contidos na
alma daqueles que estão ao nosso lado: sejam eles nossos maridos, esposas,
filhos, pais, irmãos, alunos, avós vizinhos, professores...
Quando
nossos gritos encontram ecos,
descobrimos que não estamos sozinhos e assim temos a certeza de que poderemos
dividir o peso de nosso “fardo” de problemas, pois dessa forma tudo fica mais fácil e a
carga menos pesada.
O caminhar fica mais agradável...
Dois em um
Clarice Fernandes (13/05/2014)
Dirigia tranquilamente
pela rua à procura de algo que me distraísse e fizesse esquecer as preocupações
rotineiras. Cuidava para não ser atropelada pelo inusitado amigo do alheio, uma
vez que moro numa cidade em que a violência vem de pontos inesperados. Qualquer
rosto suspeito é sinal de alerta. Por isso, embora quisesse me distrair, olhava
atentamente para as calçadas a fim de prevenir-me de possíveis ataques insólitos.
De repente, algo me
chama a atenção: um vulto que parecia ter se duplicado no espaço físico ocupado, pois ora pareciam
dois, ora parecia um. Fixo melhor a
atenção na cena. Eis a surpresa: não é uma ilusão de ótica. É um “dois em um” de
encantamento e felicidade.
E, naquele abraço apertado em que nada sobrevive
se tentasse se impor entre os dois seres que vivenciam a descoberta do amor e parecem desejar eternizar aqueles breves
segundos, reconheço o jovem rapaz apaixonado.
Era ele! Aquele jovem
adolescente, que há poucos dias era um menino levado, gazeador de aulas, que adorava
fingir que fazia a atividade para enganar-me fingindo trabalhar em sala. Ali estava ele, explorando
o mundo da paixão adolescente.
Pensei em dar uma “buzinadinha”
e chamá-lo pelo nome. Mas resolvi não deixá-lo em maus lençóis. Possivelmente
ele perderia o sabor do doce beijo da
amada eu não desejava ser nenhum desmancha prazer, pois poderia zangar-se comigo e eu perderia a atenção do
meu “reservado” aluno em sala!
Aguardei o dia seguinte...
Aguardei o dia seguinte...
O poder das cicatrizes
Clarice Fernandes
A nossa existência é um aprendizado diário. A vida se renova a cada dia. E, cada dia, nos permite conviver com pessoas que, no decorrer de nossa história, escrevem páginas em nossas vidas. Deixam recordações de momentos bons, de realizações, de experiências arriscadas e adversidades. E, é a partir de tudo isso que se constitui a nossa biografia. A vida é repleta de muitas experiências extremamente agradáveis e outras... Nem tanto! Mas frustrações fazem parte... E deixam cicatrizes!
Durante minha caminhada, tive ao meu lado, por muitas vezes, parceiros inesquecíveis. Com eles aprendi muito! Tive grandes amigos, que me incentivaram e ajudaram a quem devo uma imensa gratidão. Entre os que mais me marcaram, está Dona Bárbara, professora de Didática no Curso de Magistério (acho que ela não imagina o papel que desempenhou na minha realização profissional); Dona Nilza, uma das diretoras com quem trabalhei no início de carreira e seu Chiquinho, o secretário de educação que me deu a primeira oportunidade de trabalho docente ( eu só tinha 14 anos e nenhuma experiência da vida...). Depois veio Alice, Ana Rita (pessoa cuja bondade é impossível de dimensionar), Odete, Arlete, entre tantas outras pessoas cuja lista não conseguiria descrever aqui. Com estas pessoas aprendi muito! Com elas dividi sonhos educacionais, somei realizações educacionais, multipliquei experiências vivenciadas de forma mais humana. Fiz todas as operações básicas da matemática da amizade, do companheirismo, da solidariedade. Muitas destas pessoas com quem caminhei me ensinaram a ler e compreender a vida ao meu redor. Outras me ensinaram a vivenciar a grandiosidade da vida. Poderia descrever muitos outros que me foram importantes, que tornaram a minha vida mais agradável...
Entretanto, algumas outras pessoas me ensinaram o gosto amargo da vida! Mas estas não merecem ter seus nomes citados. Embora eu saiba que, sem a “contribuição” delas, eu jamais conheceria o quanto o ser humano pode ser cruel, incompreensível, irredutível, insensível, egoísta, e até mesmo traiçoeiro... Elas me fizeram entender que nem sempre o homem se mostra como realmente é... Aprendi com elas que há pessoas que usam máscaras e são capazes de atitudes desprezíveis para atingir suas metas... Mesmo assim, o duro aprendizado teve sua importância. Tornou-me mais forte, mais persistente, me fez ver novos caminhos. As cicatrizes deixadas por eles tiveram o poder de forçar-me à renovação, à reflexão sobre a vida e sobre mim mesma.
As pessoas entram em nossas vidas pelo tempo necessário para atender alguma das nossas necessidades de aprender algo... Nem mais, nem menos! Ensinam-nos e se vão! Não é preciso que elas aumentem o espaço físico para ficar longe e sair de nossas vidas. Basta que saibamos ignorar sua presença para afastá-las de nós! A distância adequada é o desprezo! Não podemos escolher o que os outros fazem para nos atingir, mas podemos escolher o que sentiremos pela ação feita por eles...
Ainda que algumas lembranças tornem-se cicatrizes de lições amargas da vida, elas são necessárias para que possamos entender a fragilidade e a energia humana...
Mas sempre haverá aquelas lembranças que se tornam verdadeiros bens preciosos os quais devemos guardar para sempre na memória, pois nos fazem compreender o verdadeiro sentido da existência e eternizar a existência daqueles a quem realmente amamos!
Coisificar pessoas
Clarice Fernandes
O homem contemporâneo passa boa parte de seu tempo buscando apropriar-se dos novos produtos criados pelo mundo capitalista. A sociedade consumista gera, a cada dia, novas necessidades a serem supridas. Todavia, para suprir a nova necessidade o homem necessita consumir. Entretanto, para conseguir fazer isso ele carece gerar, girar e acumular capital. Essa tríade, algumas vezes, o induz a perder a sensibilidade e assim ele passa a “coisificar” pessoas.
Por isso, ele relaciona-se com o outro como se fosse objeto disponível numa prateleira de mercado. A pessoa humana vale pela sua funcionalidade, utilidade e prazo de validade. Não é mais útil, tem sua validade vencida! E assim ele agrega ou descarta pessoas em seu circulo social de acordo com a funcionalidade e utilidade delas em benefício próprio. Essas escolhas não têm nada de inconsciente... Elas são de “caso pensado”. Sabe-se exatamente o que se faz. Os novos valores assimilados advindos das mudanças geradas pelas necessidades contemporâneas o tornam apto para tais seleções! Mas e daí? Ele só “coisifica” porque necessita viver confortável. E, para viver confortável, às vezes, é preciso livrar-se daquilo que se julga descartável. A vida confortável tem seu preço! É preciso investimento pessoal para conquistar espaços, encontrar oportunidades e obter sucesso.
A sociedade o faz crer que a felicidade está em sua capacidade de acumular bens e de consumir novos produtos. Embora, muitas vezes, para ter tal capaciade ele se obrigue a fazer escolhas que nem sempre o torna um ser humano completamente feliz. Ainda assim, ela satisfaz necessidades geradas pelo mundo capitalista e isso comporta um incrível sentimento de realização. Quem pode julgar o que traz felicidade para cada ser humano em particular? Não é mesmo? Porém, o homem para de ver e ouvir tudo o que poderia incomodá-lo, provocá-lo à reflexão ou despertar nele sentimentos que o force ao envolvimento e a responsabilidade com o outro. A crença no capitalismo e consumismo, frequentemente, o faz perder os valores e a sensibilidade humana. Ele valoriza mais os bens materiais que pode acumular que as pessoas com quem convive.
E, quando a vida lhe prega suas peças, fazendo suas intervenções arbitrárias, descobre-se, tardiamente, que não há mais tempo para recuperar o momento não vivido. Quando essas intervenções acontecem compreende-se que existiram “coisas” (pessoas) que são importantes, porém foram “descartadas”antes do "prazo de validade vencer" e que outras nunca estarão disponíveis nas prateleiras do mercado...
Bola certeira
Clarice Fernandes
Trabalho com adolescentes há alguns anos. Já vi de tudo que se possa imaginar. Mas, outro dia desses, assisti a uma cena inusitada.
O sinal havia soado e eu caminhava até a sala de aula. No corredor de saída, encontrei Carol deitada no sofá de espera, com a cabeça apoiada no colo de uma amiga e os pés no colo de outra. Parecia que a coitada estava arrebentada! Conheço o poder de interpretação da meninada e desconfiei da cena. Eles costumam fazer destas quando querem gazear aula. Era minha aula com a turma dela e eu não pretendia deixar três alunas fora da sala. Por outro lado, não poderia deixar a pobre Carol desamparada. Preocupei-me com a estado da acidentada mocinha... Perguntei-lhe o que havia acontecido e pela forma risonha como veio a resposta, percebi que o caso não era assim tão grave...
Convidei seus dois apoios de corpo, se não me engano, Larissa e Eduarda, para voltarem para a sala e disse a Carol que aguardasse a equipe de resgate. A esta altura ela já havia pedido que telefonassem para a família vir buscá-la.
Fazia tempo que eu não via tanto alvoroço. Todos querendo explicar o ocorrido. Não entendi ao certo, mas parece que o “santo” Luizinho estava envolvido no incidente. Não ficou muito claro para mim se ele “desviou” da bola ou “desviou” a bola. Porém, o que é certo, é que a bola acertou em cheio o olho da Carol. E ela não perdeu tempo! Era dia de sua crisma. Cuidou de garantir a chegada mais cedo em casa...
Mateus, que não tinha nada de inocente na história, era a preocupação em pessoa... Que peninha! Ele, rapidamente, fez um cartaz e colou em sua mesa. Quanto empenho! Era intuito dele que Carol lesse seu pedido de desculpas quando viesse buscar a mochila para ir pra casa.
Porém, Carol entrou de fininho e não reparou no cartaz e nem que todos a observavam para ver sua reação ao ler a mensagem. Quando ela saiu, a turma deu uma grande gargalhada. E o Mateus? Hum, tomate maduro perdia para ele! Ficou vermelhinho de vergonha.
Ele foi de um cavalheirismo (daqueles que até Deus duvida!), mas temos que reconhecer: ele tentou redimir-se da culpa...
O céu é o limite.
Clarice Fernandes (18/11/2012)
Havia iniciado seu dia com a leitura do texto “O conde e o passarinho”, de Rubens Braga. Pretendia refletir sobre o que sugeria o autor ao fazer sua opção pelo passarinho. Debateu com a turma sobre a leitura do implícito naquela relação e com eles discutiu a opção estranha do autor em desejar ser um urubu. A reflexão desembocou em algo que não havia pensado.
Pensara em falar nas relações sociais, na divisão de classe, nas relações de poder... Mas não havia pensado, antes, em discutir com eles a respeito de que animal seriam, se lhes fosse proporcionado a possibilidade realizar uma brincadeira em que escolhessem com qual se identificariam como havia feito o autor do texto para estudo. Porém a idéia surgiu e era bacana. Não perdeu tempo. Propôs, em forma de brincadeira, que eles pensassem num animal que eles seriam, mas que deveriam escolher o animal pelas características dele. Ouviu alguns dizerem que seriam leões, corujas, formigas. Ficou fascinado com a capacidade deles para que encontrassem, nos mais dóceis animais, peculiaridades cujas demonstravam perseverança, coragem, persistência, paciência, tolerância, força, inteligência...
Surpreendeu-se quando alguém lhe disse desejar ser uma borboleta. Borboleta lhe parecia algo tão frágil. No entanto, percebeu a grandiosidade da observação feita por aquele adolescente ao relatar que esperava ser como a borboleta por que admirava o esforço da mesma para vencer a barreira do casulo a fim de ganhar a liberdade, pois sair do casulo dependia dela (borboleta) e somente dela. Havia feito a comparação para dizer que sabia ser sua também a responsabilidade sobre seu futuro. Era apenas um adolescente, mas já compreendia que o sucesso é fruto do trabalho... A surpresa maior foi, quando após elogiar “aquele aspirante de adulto” que se espelhava na borboleta, outro dizer-lhe “Certa vez você fez um trabalho parecido numa turma em que eu estudava e lembra que você me disse um dia que, para mim, o céu é o limite? Pois é, nunca mais esqueci... Cada dia dou um passo a mais para atingir meus objetivos! ". Já havia passado muito tempo e ele (educador) nem se lembrava mais. Suas palavras ficaram gravadas na memória de um menino, que agora se transformava em homem!
Nunca pensara que suas palavras pudessem ecoar por tanto tempo! Questinou-se porque não dissera aquilo mais vezes a tantos outros com quem tinha convivido...
É, talvez precisássemos dizer mais aos nossos filhos: sonhe a construção de um mundo melhor. Tudo é possível... Acredite: o céu é o limite!
Gravetos
Clarice Fernandes
Professora de Língua Portuguesa
Pensamos sempre que professor é aquele que ensina. Porém, na maioria das vezes, ele é aquele que aprende. Somos eternos aprendizes da vida. A prática de nossa profissão é uma caixinha de surpresa constante. Vivemos a cada dia um reencontro com novos sujeitos e cada um deles carrega em si o dom de nos surpreender.
A minha maior lição de vida não foi na faculdade que aprendi. Ela me foi dada por um aluno de apenas 12 anos no inicio da alfabetização: Jonas.
Jonas ainda estava na primeira série aos 12 anos de idade ( após matricular-se por cinco consecutivos anos na mesma série). Durante este tempo já havia passado por vários professores e ele mesmo já se diagnosticava “burro”. A escola o rotulava de indisciplinado, bagunceiro e diziam que ele não aprendia porque não queria. Frequentemente provocava conflitos em sala de aula, pois era o maior da turma e sempre era apontado como “culpado”. Seus professores lhe diziam que ele devia ser o exemplo na sala, porque era sempre o mais velho da turma. Coitado! Ele nunca conseguia.
Mal sabia eu que ele seria meu exemplo, mas de vida!
Eu estava na maior expectativa para conhecer a minha nova turma. No entanto, o inicio do ano letivo foi nada mais, nada menos que arrepiador. Trabalharia numa turma com 32 alunos e tinha a missão de ensiná-los a ler e escrever entre outras coisas. Havia na classe oito alunos repetentes, o que com certeza tornaria o trabalho mais difícil, pois estavam fora da faixa etária da turma.
Ensinar é um ato de coragem e perseverança: características de quem gosta de desafio. Sempre gostei de desafio, e este seria apenas mais um! A juventude nos permite acreditar que nada é impossível. Prometi a mim mesma que “daria conta do recado”. As turmas iniciais poderiam frequentar o contra turno para sanar dúvidas e isso fazia vislumbrar um trabalho frutífero com os que apresentassem dificuldades. Para aumentar minhas expectativas de sucesso com os alunos, fui convidada para trabalhar no tal contra turno: isso era tudo que eu desejava. Eu mesma poderia atender aos meus meninos, caso não conseguisse, em sala de aula, fazê-los avançar na aprendizagem.
Tudo corria tranquilo. Trabalhava com a turma toda num período e, no outro, somente com aqueles que tinham problemas de aprendizagem. Jonas freqüentava os dois períodos e eu já havia conseguido ensiná-lo a ler e compreender algumas noções básicas da matemática porque só trabalhava com material concreto com ele. Material este que não ficava na sala de aula e eu tinha que buscar todos os dias numa outra sala.
Após o segundo bimestre eu já havia conseguido alfabetizar quase todos os alunos, inclusive Jonas. Ele já se reconhecia mais inteligente, dizia que podia aprender e se esforçava para fazer suas atividades com sucesso.
Até que, num certo dia chuvoso, ao me dirigir a sala de aula não levei nenhum recurso de apoio para os alunos. Ao iniciar as atividades da aula de matemática, ele me perguntou: “Professora, cadê os palitos?”. Respondi secamente que não havia levado e que não iria buscá-los embaixo de chuva.
De repente, Jonas ficou inquieto, resmungando agitado, levantou-se da carteira e saiu correndo em minha direção. Apavorei-me porque ele era maior que eu e pensei que fosse me agredir. No entanto, ignorou minha presença a sua frente. Saiu em disparada para fora da sala e sumiu do meu campo de visão. Ele parecia enlouquecido! Eu nem imaginava o porquê daquela atitude dele, uma vez que costumava ser tranquilo em minhas aulas, apesar de ter fama de indisciplinado. Assustada, sem saber o que fazer, corri até a orientação para pedir ajuda para procurá-lo (o pátio da escola era muito grande). Andamos em torno de algumas salas e não o encontramos.
Porém, surpreendi-me ao retornar à sala de aula... Encontrei Jonas sentado tranquilamente em sua carteira e resolvendo seus cálculos matemáticos.
Já estava pronta para descarregar minha raiva pelo susto que ele me dera, mas não tive coragem diante da cena que vi. Ele estava todo molhado e nem precisei perguntar por que. Foi fácil deduzir. Ele havia atravessado todo o pátio da escola, embaixo da chuva, para ir até o latão do lixo pegar gravetos de árvore (recolhidos no momento da limpeza do pátio no dia anterior) e os transformado em seus “palitos” para dar conta de fazer sua atividade em sala. Olhou-me calmamente e sorrindo me disse: “Fêssora, agora to conseguino!”. Senti-me um “caquinho” diante daquela inocente criança. Ele ainda precisa dos palitos para mostrar que era capaz de fazer sozinho sua tarefa. Entretanto, eu não havia sido capaz de compreender que ele ainda precisava deste apoio para calcular naquele momento. Ele encontrara, sozinho, uma ajuda alternativa para conseguir fazer suas atividades matemáticas. Correu riscos, mas tentou. O brilho de satisfação daquele olhar... Ah, isso nem o tempo vai apagar! Aquela cena nunca mais me saiu da cabeça. Jonas foi uma lição de vida. Percebi, naquele dia, que nem sempre somos capazes de compreender as necessidades de nossas crianças. Nem sempre elas conseguem traduzir seus anseios em palavras. E, nós, muitas vezes, e sem querer, frustramos suas expectativas!
A atitude de Jonas me fez refletir sobre a minha e com ele aprendi que podemos ser melhores. Ele me ensinou que qualquer aluno pode aprender, basta sabermos ajudá-lo a encontrar o caminho de sua aprendizagem. Ele me ensinou que a educação não tem fronteiras que nos limitam até onde podemos ir. E, acima de tudo,me fez perceber que educar é um ato de amor! Pois só quem ama consegue "ver com os olhos do coração" para entender uma criança.
Aqueles gravetos foram transformados por ele num valioso material didático de apoio à aprendizagem e garantia de sucesso ao fazer sua atividade naquele momento... Porém, ele não conseguiu aprender tudo o que a escola tinha para lhe ensinar (era um aluno que apresentava dificuldades acentuadas de aprendizagem e desistiu da escola aos quinze anos de idade).
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